

Os primórdios do Xadrez Ocidental
A história do Xadrez antes do século XV é extensa, complexa e dependendo da fonte, extremamente controversa. Por esse motivo o período anterior a chegada do Xadrez na Europa não será abordado, sendo sugerida a referência abaixo para maior estudo de quem desejar (1).
O Xadrez chegou e se difundiu na Europa por duas vias principais. A primeira, pelas rotas comerciais terrestres vindas do oriente, que passavam obrigatoriamente pela Pérsia, berço do Shatranj, modalidade antecessora direta do Xadrez moderno, embora certamente não a mais antiga. A segunda via foi a expansão moura pelo norte da áfrica, iniciada em 711, atingindo até o extremo da península ibérica e mantendo forte influência cultural até o final do século XV. Talvez essa tenha sido a influência mais importante, pois coincide com a localização geográfica dos principais núcleos do xadrez da europa que transformaram o Shatranj no Xadrez Moderno e o fizeram evoluir. Outra evidência, que sugere a influência direta do povo arabe na difusão do jogo na Italia e Espanha, é o nome moderno designado para o bispo, alfil em espanhol e alfiere em italiano, derivados diretamente da palavra original arabe "al-fil" e persa "pil", que designava o elefante. Murray sugere que a introdução se deu certamente antes do ano 1000 e talvez antes mesmo do ano 900.
As peças de Xadrez com figuras modernas de Bispo e Dama mais antigas encontradas na Europa datam do século XII. Foram esculpidas em dente de leão marinho e possuem feições nitidamente nórdicas. Foram encontradas na ilha de Lewis, extremo norte do arquipélago da Grã Bretanha e atualmente estão na sua maior parte no acervo do British Museum. As peças foram encontradas numa caixa cuidadosamente enterrada numa praia, que sabidamente era rota de comerciantes nórdicos. Provavelmente, estava guardada para ser transportada numa outra ocasião e ficou esquecida. A origem das peças atualmente aceita é Trondheim na Noruega. Essa evidência nos faz crer que o Xadrez se difundiu em toda a Europa de forma muito rápida.
Muito provavelmente, a transição das figuras das peças foi anterior a mudança de seus movimentos. A mudança na regra dos movimentos só foi concretamente documentada a partir da década de 70 do século XV, mas não há como ter certeza de onde ou quando surgiram.
Didaticamente, será considerado como marco do início da história do Xadrez moderno as primeiras publicações conhecidas que contém as novas regras.
O primeiro livro impresso do xadrez moderno é de autoria de Luis Ramirez de Lucena, Repetición de Amores y Arte de Ajedrez con 150 Juegos de Partido e foi publicado em 1495 em Salamanca. Só há notícia de 2 exemplares do original ainda existentes, um na British Library em Londres e o outro na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. Outro documento importante, talvez mais antigo, é o manuscrito de Göttingem, que é atribuido ao mesmo Lucena. Outros manuscritos datam da mesma época na Italia, Espanha e França. Nesses registros, datados no máximo a partir de 1492, nota-se a coexistência das duas regras nesse período. Segundo Murray, principal referência histórica, não há nada nos registros do 3 primeiros quartos do século XV que mostre uma popularidade diferente do jogo medieval em relação aos séculos anteriores ressaltando os registros de Francesco Colonna em 1467, e de John Sherwood ente 1465 and 1476, descritos nas regras medievais. Murray concluiu que a transição das regras do jogo foi extremamente súbita, não sendo em nada anterior ao ano de 1485. No entanto, na minha opinião, a ausência de documentos escritos mais antigos relatando as novas regras não fundamenta a sua não existência, em vista das dificuldades da época em se produzir um registro perene. No entanto que a popularidade do que Lucena chama de "jogo velho", era inquestionavelmente muito grande, em vista da quantidade de problemas que publicou nessa regra ser maior do que as do "jogo da Dama" como ele chamava a nova regra do xadrez.
A evolução e disseminação das novas regras até sua consolidação no formato atual, especialmente do roque e o do movimento "en passant" não possui um registro preciso. Décadas se passaram até que novos trabalhos de maior porte sobre o Xadrez fossem produzidos. Nesse período aconteceram as últimas alterações das regras que eram descritas de forma heterogênea, dependendo da região e da fonte e acabam por se consolidar apenas do meio para o final do século XVI, sendo impossível determinar uma data precisa.
As diferenças entre o xadrez medieval e o jogo moderno
A principal diferença entre o jogo atual e seu antecessor medieval fica por conta da ampliação do movimento dos Bispos e da Dama e do surgimento da promoção do peão a Dama. No livro de Lucena as novas regras eram descritas como jogo "de la Dama". A limitação que existia do movimento do Bispo e Dama as deixavam com um valor muito baixo no tabuleiro. Cavalos e Torres, com os mesmos movimentos das peças atuais, eram as peças mais fortes. O atual Bispo, antes representado pelo Elefante, se movimentava apenas por duas casas diagonais a cada jogada. A Dama, peça mais poderosa do xadrez moderno, é originada do Vizir, peça que tinha mais valor apenas que os peões, pois seu movimento era restrito a uma única casa diagonal. Os peões movem-se uma casa de cada vez em linha reta e capturam na diagonal desde tempos ancestrais, anteriores ao Shatranj, mas a promoção foi uma novidade que mudou completamente as possibilidades do jogo. O direito de mover o peão duas casas no movimento inicial é uma regra posterior aos primeiros manuscritos, mas já é presente no livro de Lucena.
A posição do Rei e do Vizir no Shatranj podia variar. A obrigatoriedade do inicio do jogo ser do jogador de brancas só ficou bem estabelecida no século XVI.
Durante a primeira metade do século XVI, as regras relacionadas ao roque, a captura "en passant" e o avanço inicial duplo do peão eram usadas ou não de diferentes formas, dependendo da região. No livro de Lucena o roque é descrito como um movimento em dois tempos, sendo primeiro realizado o movimento da torre e o Rei então saltava sobre a torre em um movimento posterior, não necessariamente consecutivo ao da torre.
Não há um ponto exato no tempo, nem local, onde possamos afirmar que se concluiu a consolidação da regra moderna, mas é certo que desde o final do século XVI, não ocorreu qualquer outra modificação relacionada ao movimento das peças. Assim é possível concluir que a regra atual do Xadrez tem aproximadamente 5 séculos. Retroceder no tempo, para as origens que antecederam o Xadrez moderno, é uma aventura que poderá ser assunto para outro momento. Se me perguntam onde foi inventado o Xadrez, respondo: O Xadrez moderno surgiu na Italia e Espanha, entre o final do século XV e início do XVI.
Correlação entre a transição do Xadrez Moderno com o contexto da História da Civilização
Um aspecto que não é abordado em nenhum livro de história, mas é uma correlação impossível de não ser feita por quem observar atentamente, é a de que o xadrez moderno surgiu dentro do contexto da transição entre a idade média e a idade moderna, como parte integrante do período Renascentista. O novo jogo surge de forma aparentemente explosiva, imediatamente antes das novas ideias de Copérnico e Galileu e junto com o período artístico de Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael e Botticelli. A prensa de tipos moveis de Gutemberg havia sido inventada à pouco. As grandes navegações estavam em seu início.
Todo o contexto de modificações políticas, econômicas e sociais da época pode ser retratado em paralelo com as modificações das regras do xadrez e dos símbolos das peças. A representação dessa fase tem paralelo no surgimento do estado centralizado, ficando óbvio no aumento da força das peças que representavam a realeza e os clérigos e no fato de um peão poder se transformar em Dama, denotando a possibilidade do surgimento de uma nova classe social. A evolução científica também será visível na matemática que envolve o aumento extraordinário de possibilidade de movimentos das peças e no registro de estudo dos jogos, cuja possibilidade de variações passavam a atingir valores que continuam incomensuráveis até para a matemática dos dias de hoje.

Referência: 1) Murray, H.J.R. A history of Chess - Oxford at the Claredon Press, 1913 - disponível em A History Of Chess : H. J. R. Murray : Free Download, Borrow, and Streaming : Internet Archive;
2) Lucena, Luiz Ramirez. Repeticion de Amores y Arte de Ajedrez, Salamanca, 1495 - Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil. Visita supervisionada realizada em 05/10/2018.








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